sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Filosofia e Escultura na Idade Média - Parte IV de IV


O gótico flamejante e o Nominalismo



No século XIII a escolástica decai e o nominalismo de Guilherme de Ockham – negador de todo universal e defensor da tese de que só existe o indivíduo – introduz o experimentalismo na ciência, o individualismo na sociedade, e prepara com isso o livre exame luterano e todo o cientificismo moderno. Ockham foi um dos responsáveis pela destruição da Cristandade.
Também na arte, como não podia deixar de ser, o nominalismo ockhamista produziu efeitos péssimos. O estilo que corresponde às teses ockhamistas é os góticos flamejantes ou góticos da decadência, que vigorou nos séculos XIV e XV. Se só existe o indivíduo, e se a matéria é a causa da individuação, tinha-se que destacar o corpo e não a alma, a matéria e não o espírito.
O individualismo nominalista tem como resultado o triunfo do retrato na escultura. Já não se fizeram mais representações de conceitos universais, nem isolados, nem "encarnados" em indivíduos concretos. Faziam-se retratos o quanto mais realistas possível. Se a pessoa a ser representada tinha rugas, na estátua tinham que figurar as suas rugas. Se seu queixo era exageradamente pontudo, o escultor primava em fazê-lo tal qual era. Assim, apareceram retratos brutais ou ridículos. O mercantilismo e o desenvolvimento do comércio e da urbanização deram grande progresso político e econômico para a burguesia, assim como favoreceram o absolu- tismo e o crescimento do papel do Estado.
Isso tudo, junto com o individualismo nominalista, impulsionaram a vaidade. Pessoas ricas, nobres ou burgueses, quando faziam doação de dinheiro para a construção de um altar em uma igreja, exigiam serem retratados, "piedosa" e um tanto vaidosamente ajoelhados aos pés dos altares que haviam financiado. A preocu- pação com o real não recuou nem na representação do prosaico e até do obsceno.
O flamejante se caracteriza pelo triunfo da curva e da contra curva, que vai produzir linhas sinuosas que parecem as de labaredas. A contra curva é introduzida nas ogivas, nos arcos, e reina nas esculturas. Isto vai se casar com a preocupação absoluta de representação do real, e para eles o real era o corpo: a curva permitia a representação fiel dos movimentos dos corpos e dos rostos.
A estátua flamejante é sempre extremamente emotiva, e suas emoções são sempre violentas: ou pranto ou gargalhada, ou terror ou prazer. Os rostos flamejantes já não têm paz. O gosto pela curva e pela contra curva faz os escultores se preocuparem em esculpir figuras com cabeleiras e barbas enormes e caracolantes. O Moisés de Claus Sluter no poço da Abadia de Champmoll em Dijon é exemplo típico disso.




O drapejamento também passa a ser riquíssimo. E, para que as roupagens tenham curvas e contra curvas, elas são esculpidas como se estivessem agitadas por um vento impetuoso. Ao mesmo tempo que se agitam, riem ou choram, as esculturas flamejantes perdem estatura. O módulo flamejante diminui. As esculturas, em geral, passam a ter tamanho menor. Normalmente prefere-se esculpir cenas e não mais pessoas isoladas. Exceção são os retratos de doadores, dos quais já falamos, e cuja "piedade" exigia figuras, se possível, em tamanho natural.
O caráter violentamente emotivo da escul- tura flamejante surge claramente nas figuras sepulcrais. O século XIV viu a Europa ser atingi- da por uma das mais terríveis epidemias que houve na História: a peste negra. Esse flagelo dizimou a população européia no longo período em que grassou pelo continente. Calcula-se que tenha morrido mais da metade da população. As mortes eram bruscas e a enfermidade durava pouco. Foi esse pânico que suscitou toda uma série de expressões artísticas. Na música, surgiram as canções terríveis, como os cantos da Sibila e as danças da morte. A conhecida seqüência Dies Irae é desse tempo.
Na escultura, desenvolveu-se uma arte tumular de caráter mórbido, na qual os mortos eram retratados em estado de decomposição, devorados pelos vermes. Eram figuras desesperadas ante o mistério da morte. Como eram diversas as figuras tumulares na época do gótico primitivo e do radiante! No início da arte gótica e em seu apogeu, as figuras postas jazentes sobre os túmulos - os gisants – revelavam uma grande serenidade em sua tristeza calma.
Com efeito, ante a morte a atitude equilibrada não consiste em estóica indiferença, nem em desespero. A morte é contrária à nossa natureza e a ela repugna. É impossível não encará-la como trágica. Mas, por outro lado, a redenção de Cristo nos salvou da morte eterna. Por isso, os gisants das primeiras fases do gótico eram tristes com esperança. E a esperança da vida eterna punha nas figuras esculpidas sobre os túmulos uma triste, mas serena paz.
Os gisants do flamejante são desesperados. Esse desespero era resultante da perda da Fé, já que o nominalismo, no fundo, era materialista. Assim, se passou da beleza sublime obtida na arte como reflexo da Fé e da sabedoria escolástica para o desespero resultante do materialismo. Quando se busca antes de tudo o Reino de Deus e sua justiça, tudo se alcança por acréscimo. Até mesmo a beleza artística. É o que comprova a escultura na Idade Média, um dos elevados cumes da arte na História.

Texto original de Orlando Fedeli - Associação Cultural Montfort

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