sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Filosofia e Escultura na Idade Média - Parte III de IV


O gótico radiante e o aristotélico-tomismo



No período radiante, durante o século XIII, atinge-se o apogeu do estilo gótico. A escultura desse período é talvez a mais perfeita que se tenha alcançado na História. É o tempo do apogeu da escolástica, quando São Tomás de Aquino arquitetou a Suma Teológica harmonizando a filosofia aristotélica e o cristianismo. Para Aristóteles, os seres que vemos ao redor de nós possuem duas causas intrínsecas: a causa material e a causa formal.
A causa material é aquilo de que as coisas são feitas, enquanto a causa formal é aquilo que faz da coisa o que ela é. Por isso, matéria e forma substancial deveriam se refletir na escultura. Ao contrário pois do platonismo, a filosofia aristotélica aceitava a matéria. Para o cristianismo isso é absolutamente certo, pois foi Deus quem criou todas as coisas, e o Criador, ademais de afirmar que cada coisa criada era boa, ao contemplar a sua obra criativa, contemplando tudo o que fizera, disse que era "valde bona", isto é, muito boa.
A recusa em aceitar a matéria como boa era típica tese gnóstica, que a Igreja condenara. O próprio Filho de Deus se encarnou e instituiu sacramentos sempre utilizando matéria, demonstrando assim que a matéria é boa.
Ao triunfo da filosofia aristotélico-tomista corresponderia a realização de esculturas em que não se buscava representar apenas a idéia de algo, mas o ser real concreto, com matéria e forma. Esse foi o tempo do gótico radiante, do qual são obras típicas as catedrais de Reims, boa parte de Notre Dame de Paris e de Estrasburgo.
As esculturas desse período atingem grande perfeição e grande equilíbrio. Elas não visam a representar o universal. Elas buscam figurar também o indivíduo, sem esquecer o universal. Por isso, elas não são mais figuras ideais do rei, do cavaleiro, do bispo, mas retratam o Rei São Luís, o Bispo Maurice de Sully, o cavaleiro tal, o Abade Suger. Elas não são puros retratos e nem puras idealizações simbólicas de um conceito universal, mas preocupam-se em esculpir um indivíduo concreto sem menosprezar o que ele era.
Realizando a figuração real de corpos, a estatuária radiante não recusava representar as emoções e o movimento. As figuras fazem gestos, se voltam, não são mais estáticas. As suas vestes se movimentam também, dando ocasião de representá-las com dobras profundas e majestosas, ou então leves e delicadas. As estátuas desse período revelam emoções, mas sempre emoções equilibradas, sem excessos. Elas jamais gargalham. Sorriem. Exemplo típico disso são os magníficos anjos do sorriso que se podem contemplar na Anunciação de Reims ou na apresentação de Jesus no Templo.
Pela primeira vez na História da arte se teve a idéia de representar uma figura sorridente. Os anjos do sorriso de Reims superam tudo o que se havia feito até então em matéria de escultura. Outras obras primas dessa época são a Virgem dourada de Amiens, a serva da apresentação no Templo de Reims e a inigualável escultura do Beau Dieu de Amiens, ainda com alguns traços do gótico primitivo em seu rosto.
Tanto se fala - e com razão, se se atenta apenas para a beleza material – da perfeição das esculturas helênicas. Nelas, porém, jamais se vê um rosto sorridente. Normalmente as esculturas clássicas gregas são de rosto quase inexpressivo. Apenas nas figurinhas de Tanagra se pode encontrar a representação do gracioso.
No gótico radiante, pelo contrário, a felicidade da Idade Média, fruto da paz de alma, sorri nos anjos de Reims.

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